ARACAJU/SE, 5 de maio de 2024 , 8:58:46

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Os cristãos tinham tudo em comum

Costumamos dizer que os dedos das mãos não são iguais. E não são mesmo. Nem poderiam ser. Deus, na sua infinita sabedoria, soube dosar a diferença em cada dedo. Assim também são as pessoas, diferentes umas das outras. Cada qual com o seu aspecto físico, mental, psicológico, espiritual. Cada qual com o seu caráter e com a sua personalidade.

Numa sociedade de pessoas, encontramos todo tipo de caráter e de personalidade. Isso é muito bom. Ruim seria se fôssemos todos iguais, se todos pensassem, sentissem e agissem do mesmo modo. Vejamos o exemplo dos discípulos de Jesus Cristo: tão diferentes em suas respectivas personalidades.

Hoje, como ontem, na Igreja Católica, nós encontramos os mais diversos tipos de ministros ordenados: bispos, padres e diáconos. Mas, também de leigos e leigas, que se engajam nas pastorais e nos movimentos paroquiais ou diocesanos. A Igreja é multifacetada na composição dos que a ela estão ligados. Em resumo: todos devem ser acolhidos, todos têm a sua importância na vida eclesial, cada qual contribuindo com os seus carismas, os seus dons, os seus talentos, desde que estejam em comunhão.

Ninguém deve sentir-se melhor do que outrem. Na vida cristã, isso não tem ou não deveria ter guarida. Todavia, é preciso que cada cristão ou cristã tenha a devida consciência de que tudo deve convergir para Deus. A vaidade, o orgulho, a autossuficiência, a soberba, o desamor, a mágoa, o rancor, a indiferença e tudo o mais que for imprestável para a edificação do Reino devem ser abominados.

As disputas internas na Igreja, seja entre prelados, seja entre estes e leigos, ou até entre os próprios leigos engajados, não fazem o engrandecimento do cristianismo, na sua vertente primária, o catolicismo. Pior ainda, como temos visto ultimamente, são os ataques de grupos ultraconservadores e ultrarradicais às estruturas canônicas da Igreja, inclusive com o beneplácito de alguns ministros ordenados. Aliás, já escrevi sobre isso. Não vou, aqui, perder meu tempo para falar desses segmentos caolhos.

Algo que me intriga é quando pessoas que, um dia, se disseram católicas e, hoje, professam outros segmentos religiosos, que os respeito, claro, em nome da liberdade religiosa, metem-se a opinar sobre assuntos internos da Igreja, notadamente em questões dogmáticas emanadas do Magistério, ou em questões canônicas, inseridas no Código de Direito Canônico, sem terem o devido conhecimento. Como saber? Pelos argumentos rasos, como mergulhos que se podem dar na areia da praia, ao invés de mergulhar nas águas do mar.

Há, ainda, algumas pessoas do próprio clero que vivem a proferir imprecisões litúrgicas, dogmáticas ou canônicas, como se desfiassem a verdade. Recentemente, vi, na internet, um padre de cabelos brancos, exaltado contra alguns Papas, e, mais ainda, contra o Papa Francisco e contra o Papa Paulo VI, por conta da alteração litúrgica da Santa Missa. O padre esbravejava por não aceitar a mudança litúrgica empreendida depois do Concílio Vaticano II, alegando que o Papa não pode alterar a liturgia, advinda do passado, e que, lá atrás, foi implantada por outro Papa. Ora, vejam a contradição desse irmão! O Papa São Pio V aplicou, em 1570, a liturgia da chamada Missa Tridentina. O Papa São Paulo VI aplicou a chamada Missa do Vaticano II (1962-1965). Um Papa pode, mas o outro não? Um Concílio pode, mas o outro não? Desde quando, a liturgia é estática? Como era antes de 1570? Como foi no início do cristianismo, lá nas origens?

Entre o tempo do Papa Gregório I (590–604) e o da revisão pelo Papa Pio V, em 1570, o Rito Romano da Missa sofreu muitas modificações. Somente a revisão de Paulo VI está errada? Que absurdo pensar assim! Mas, pensam. Insensatamente, pensam.

Em 2007, o Papa Bento XVI, um dos maiores teólogos católicos do século XX, no motu proprio Summorum Pontificum concedeu amplamente a possibilidade do uso da liturgia tridentina na forma que tinha até 1962, apesar da publicação de uma edição mais recente: nas missas privadas celebradas sem o povo, os padres da Igreja latina poderiam usar livremente essa liturgia; e nas Paróquias, onde houvesse um grupo estável de fiéis aderentes à precedente tradição litúrgica, o pároco deveriam acolher de bom grado as suas solicitações de terem a celebração da Santa Missa na forma vigente até 1962.

Em 2021, foi revogado este motu proprio pelo Papa Francisco na Traditionis custodes e, desde 16 de julho de 2021, a celebração da Missa Tridentina recebeu fortes restrições, sendo permitida apenas com a autorização do Bispo da Diocese onde se realiza, após este pedir permissão direta de Roma, não podendo ser rezada livremente dentro das Paróquias.

O Concílio Vaticano II, na Constituição Sacrosanctum Concilium (1963), mandou rever o rito da Missa, segundo os princípios enunciados na mesma Constituição. A revisão foi obra de um grupo de especialistas em liturgia, Bíblia e teologia, nomeados pelo Papa Paulo VI, que promulgou em 1969 o reformado Missal Romano. Este conheceu até hoje três edições, em 1970, 1975 e 2002.

As divergências na Igreja são muitas. E muita, em alguns, é a sede de poder. Noutros, muitos são os desmandos. Foi-se o tempo em que os cristãos tinham tudo em comum (At 2,44-45).